Revista ISTO é / 1461-1° – 10/1997
Maria González
“Antônio Torres narra suas lembranças sem pieguice”
Vinte e quatro horas, um dia apenas, para tentar compensar 20 anos de distância, é o desafio enfrentado por Totonhim, filho de Totonho, o migrante que um dia deixou sua Junco natal, nos sertões da Bahia, para cumprir a sina de menino estudado, virando funcionário do Banco do Brasil na São Paulo de todos os sonhos. O menino que volta, homem feito, pai de família e amante de boleros, veio apenas por algumas poucas horas para reencontrar o pai que comemora 80 anos de excêntrica solidão. Este encontro cheio de emoção e lembranças é o cerne do novo livro do baiano Antônio Torres, O Cachorro e o Lobo, um ponto de partida que, apesar de igual ao de muitas outras bobagens cometidas em nome da saudade da terra abandonada, resulta num romance sensível e original.
Não há no trabalho de Torres nenhum rastro da pieguice que costuma assolar as reminiscências dos paus-de-arara de diferentes calibres e acervos, sempre ávidos por seguir os rastros de miséria imortalizados por Graciliano Ramos. Ao contrário, toda emoção é burilada com bom humor e uma dose de elegante ironia, proporcional ao risco de ridículo de cada situação. Não se trata, no caso, de uma história triste de migração lamentada, mas de uma ode ao amor de um filho pelo pai e de um pai por seu filho. Torres faz um brinde à saudade saudável, que dói de mansinho, e à ternura das memórias cultivadas de outros tempos. Não existe no livro – porque ele não faz a menor falta – a miséria indigna, que humilha. Mesmo a pobreza que atravessa o caminho do protagonista ostenta orgulho na sua história.
Os amores esquecidos, ao ressurgirem fugazes, têm a deliciosa função de reavivar, na ponta da língua o doce sabor dos beijos adolescentes e não de amargar o coração com ressentimentos. As lembranças dos mortos e as desgraças desbotadas pela poeira dos anos servem tão-somente para valorizar os vivos e suas rotinas pacatas. Até os medos primitivos, as assombrações que ficaram na memória de um menino, são instrumentos de reconhecimento de uma realidade que já não é mais ofuscada pelas antenas parabólicas e pela globalização das gentes. Um livro, em suma, ideal para quem gosta de suas próprias lembranças.