José Olympio da Rocha*
Tribuna da Bahia/16.06.91
Dificilmente você poderá interromper a leitura do novo romance de Antônio Torres, Um Táxi para Viena D’Áustria. O que não é surpresa, pois desde Um Cão Uivando para a Lua (1972) o autor baiano revelou-se um dos escritores mais promissores do Brasil. Torres, ex-jornalista (“precisei abandonar o jornalismo para escrever ficção”, disse ele) transferiu-se definitivamente para o Rio de Janeiro, onde conseguiu sobreviver como publicitário. Certamente agora, depois que seus livros foram traduzidos com sucesso para vários outros idiomas, Antônio Torres poderá dedicar-se com mais tempo à literatura. E o maior exemplo de que isso é o que acontece, é este novo romance: inventivo, bem trabalhado na sua linguagem, brilhantemente irônico e mordaz, com uma dose de humor sadio, quase um hino simples aos prazeres da vida.
A inventividade do autor está cada vez mais acentuada. Aqui ele disseca o homem urbano, com sua tragédia cômica, o dia-a-dia de uma cidade como o Rio de Janeiro. Torres compõe essa sinfonia, esse perfil da cidade grande, através de um painel em que ele toma emprestado as letras da música popular, as gírias, o ritmo cotidiano de um viver que passa pelos apartamentos de classe média, sobe até os morros e explora o estranho humor dos que vivem na adversidade: “Quero um dia de luz, festa do sol, um barquinho a deslizar, no macio azul do mar/Por que esqueceram de me avisar que hoje à tarde ia ter um caminhão da Coca-Cola atrapalhando o tráfego?/É isso aí. It’s the real thing. É pau, é pedra, é o fim do caminho. É um caminhão atravessado, engarrafando o verão. Moro na zona sul. Quero o mar. E não essas ruas interrompidas, selvagens – esse beco sem saída. E também quero ver se os jornais vão ter coragem de sair amanhã com uma manchetona assim: Acidente da Coca-Cola foi provocado pela Pepsi”.
Antônio Torres é um cronista urbano, do dia-a-dia, os episódios que constituem a sua narrativa podem ser notícias tiradas de um jornal (como um acidente no carro da Coca-Cola onde os meninos do morro fizeram a festa), as letras de música que bem definem o espírito carioca: “Quero um dia de luz, festa de sol, um barquinho a deslizar, no macio azul do mar”.
Torres sabe ironizar este sempre ridículo e sem rumo país que se chama Brasil: “Ela continua fiel à Santa Madre Igreja de Roma. Ainda não se japonezou na Igreja Messiânica. Não se americanizou com os evangélicos, os adventistas, as testemunhas de Jeová. Não se africanizou,na umbanda. Nem se universalizou no espiritismo. Continua uma fidelíssima católica apostólica romana. Como que minha mãe ainda não virou esotérica? Tantas seitas, tantos credos, no varejo e no atacado! Era agora que ela ia gostar de ver o mundo”.
O Brasil narrado por Antônio Torres é este que você conhece: tão confuso como o bruto engarrafamento de uma zona urbana, tão cômico e ao mesmo tempo tão ridículo e sem rumo como a própria política econômica. Não se pode negar que o leitor está diante de um livro originalíssimo, gostoso de se ler, uma prosa enxuta e poética ao mesmo tempo, irônica e atual. É assim Um Táxi para Viena D’Áustria.
Precisamente porque é um autor inventivo é que ninguém consegue largar esta narrativa, com sabores para todos os gostos, sem ser comercialmente submisso ao leitor: “Não contar nada sobre aquela vez que você ficou olhando pelo buraco da fechadura enquanto a espanhola tomava banho. Ela se ensaboando e cantando. E você chupando o dedo. Ela alisando os seios e cantando – e você alucinado. Ela esfregando as coxas e cantando – e você comendo a espanhola com o olho e vendo estrelas. Lânguida, louca, caliente, salerosa, ela transbordava em água e desejo, roçando cabelos, pele e labirintos… de ternura. Voz rouca de tanto cantar o mesmo bolero: Solamente una vez…”
A beleza da prosa de Antônio Torres é por si só um motivo muito forte para você chegar até o fim. E ter pena de acabar essa leitura.
* José Olympio da Rocha é crítico literário.