Estado de Minas, 24 de junho de 2007
Jeferson de Andrade
Sem praticar injustiça com “Essa Terra”, “Carta ao Bispo”, “Adeus, Velho” ou mesmo com a estréia tão aplaudida, “Um Cão Uivando pra Lua”, pode-se dizer que “O Cachorro e o Lobo” (Editora Record) é o melhor livro do escritor baiano Antonio Torres. A noite de autógrafos aconteceu hoje na livraria Sempre um Livro, a partir das 19h30mim, dentro do projeto Sempre um Papo. O evento é uma realização conjunta do ESTADO DE MINAS, Telemig e AB Comunicação.
Torres nasceu em 1940 e estreou na literatura aos 32 anos, recebendo de Marques Rebelo um comentário estimulante: “é simplesmente admirável. Fiquei com inveja. Gostaria de ter tanta bossa, tanta agilidade, tanto poder de síntese”. Passados 25 anos da estréia, o escritor reforça ainda mais esse comentário com muita bossa, agilidade e capacidade de síntese. Torres continua fazendo uma literatura visceral, de peito aberto, como quem conta e rasga o próprio coração.
Em “O Cachorro e o Lobo”, o autor consegue fundir passado e presente de forma sincronizada. O personagem sempre retorna aos acontecimentos passados, viaja ao mais fundos de remotas lembranças, mas a linguagem não é aquela a martelar, rebuscada e engenhosa. é a linguagem do hoje e do agora. Neste ponto, Torres se diferencia de muitos escritores brasileiros que têm historias para contar, mas o fazem com floreiros. Parece que muitos pretendem copiar o virtuosismo estilístico de Guimarães Rosa. Essa influência, tanto quanto de Clarice Lispector, demarcaram um ritmo para as nossas letras do qual Antonio Torres escapou para se mostrar dono e caminhos próprios.
E outro ponto positivo para Torres é que ele resgata a história. O livro tem começo, meio e fim. Os conflitos estão bem delineados. E a leitura se faz porque o contador da historia domina o texto e o ritmo do que se vai relatado. Outro ingrediente formidável de sua narrativa é o bom humor. O contador da historia passa pelos momentos de tragédia, não foge das lembranças amargas, mas sobrevive com uma carga emotiva positiva.
Era mesmo preciso essa revigorada em nossas letras. Todos estão cansados das tragédias diárias, O bom humor do livro de Torres só apressa e satisfaz a leitura. A fusão do presente e passado é conseguida subliminarmente pela linguagem. A presença do contador de historias se evidencia em certas partes, como o inicio de um capitulo: “Cheguei à frente para dois dedos de prosa ao pé do fogo, sob o crepitar da lenha e o fumegar das panelas. O som das cozinhas ancestrais; onde reinvam os filósofos e os loucos”.
A viagem do personagem ao passado avança, o seu encontro com os costumes remotos se faz, mas em determinado instante o hipotético reencontro do narrador com seu padrinho mistura pedidos de bênçãos tradicionais com indagações sobre a existência de Deus. Para o narrador lembrar que o descrente em Deus não poderia mais receber o epíteto de “comunista”, pois comunista não há mais nem para semente. Já os minguados crentes de antanho neste pais de cristãos romanos é outra realidade: multiplicaram-se biblicamente. Ou seja, Torres contrapõe passado e presente e isso faz a narrativa ágil, como já antecipara na explícita bossa de “Um Cão Uivando para a Lua”.
interessante registrar que, neste novo livro, há um cão uivando para a lua. Se o lobo também uiva, temos a metáfora preferida de Torres em dose dupla. Quanto ao significado do titulo, não se deve expô-lo, já que é uma descoberta de leitura. Outra maestria estilística de Torres, em “O Cachorro e o Lobo”, são as inserções de letras de musicas ou citações literárias que fluem soltas e leves, exatas, precisas. Alguns anos de vida e de acontecimentos se resumem nesta historia, e tudo se passa num átimo. Por isto, perfeita a citação dos versos de Cassiano Ricardo: “Não, não foram não/ os anos que me envelheceram/ Longos, lentos, sem frutos/ Foram alguns minutos”.