Gerana Damulakis
gerana@atarde.com.br
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No livro Machado de Assis, a ensaísta Lúcia Miguel Pereira, observa que, no grande mestre, vemos confirmada a importância do regionalismo na formação do artista. Com aquela escrita crítica única, ela segue mais longe em suas considerações e lembra que este regionalismo constatado, não é o regionalismo do espírito, mas o da sensibilidade. Vale reproduzir as palavras da própria Lúcia Miguel: “As experiências como que se fixam melhor, são mais profundas, quando o ambiente é sempre o mesmo. Ir lentamente descobrindo o humano no local, partir do particular para o geral, torna mais natural e espontânea a criação”.
Tais colocações chegam a calhar aqui para tratar do livro de Antônio Torres, Essa Terra, nada menos do que a 15ª edição. A Editora Record está oferecendo ao público as reedições dos livros do baiano de Junco, com formato e capas dentro de um determinado padrão para quem quiser compor uma coleção: O Cachorro e o Lobo; Balada da Velha Infância Perdida; Os Homens dos Pés Redondos e agora Essa Terra. De 1976 até hoje, Essa Terra vem ganhando traduções mundo afora; além de traduzido para o francês, inglês, italiano, alemão, holandês, hebraico e espanhol, sairá em Cuba brevemente.
Mas é tempo de justificar a chamada de Lúcia Miguel Pereira para ser aplicada a este texto: Essa Terra é ambientado em Junco, hoje Sátiro Dias, interior da Bahia. O regionalismo de Antônio Torres trata desta terra e sua gente e, principalmente, do desejo e da realização mesma de sair do mundo da seca. No seu primeiro livro, Um Cão Uivando para a Lua, de 1972, a miséria do personagem que cresceu em Junco é apenas o começo da trajetória de um repórter rumo a São Paulo. Em Os Homens dos Pés Redondos, um publicitário, também trabalhando em São Paulo, teve sua infância passada em Junco. Finalmente, em Essa Terra, está evidente o tratamento tanto da miséria dos que vivem em Junco, como do êxodo, na figura do irmão do narrador principal, que partiu para São Paulo, ganhou dinheiro, mandou dinheiro de lá para a família que ficou no interior, e voltou, mas não afortunado como se poderia prever, e sim acabado, bêbado e traído pela mulher.
As memórias do personagem, chegadas como fragmentos, são aquelas memórias profundas de que fala Lúcia Miguel Pereira, fixadas no ambiente. E com isto de trazer o Junco para a ficção, Antônio Torres descobre “o humano no local, parte do particular para o geral, torna mais natural e espontânea a criação”. Regionalizando sua obra, Antônio Torres ganha na agudeza com que tece o drama e os personagens são mais reais. Em Essa Terra aparece de passagem o Nego de Roseno, dono do armarinho, que é personagem de um conto trazendo seu nome “Segundo Nego de Roseno”, do volume Meninos, Eu Conto (Record, 1999). Essas particularidades criam uma cumplicidade imediata com o leitor, fazendo com que se estabeleça uma intimidade muito interessante para a leitura.
>Outro ponto que o escritor sabe também atingir o leitor prendendo-o é o seu uso de frases curtas, sempre muito objetivas, em várias ocasiões chegando mesmo a serem bombásticas — aqui é imediata a lembrança do episódio da mãe do personagem, doente, dentro de um carro em direção a um distante socorro pelo deserto do sertão, a vomitar pela janela; há frases de enorme poder de expressão do momento. Mas o estudo minucioso sobre o livro encontra-se no posfácio assinado pela professora Vania Pinheiro Chaves, da Universidade de Lisboa.
Tendo em vista que alguns títulos estavam esgotados, os romances reeditados de Antônio Torres são oportunidades para o leitor passar a fazer parte dos admiradores deste ficcionista baiano, autor de mais de uma dezena de livros, sempre reconhecido e aplaudido.